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Dilma Rousseff: “A corrosão da democracia começou com o impeachment”

De sua casa em Porto Alegre, onde permanece desde o início da pandemia — saiu apenas duas vezes para uma viagem a São Paulo e outra ao México — a ex-presidenta permanece atenta e acompanha com interesse os desdobramentos da crise política

ícone relógio30/08/2021 às 12:20:22- atualizado em  
Dilma Rousseff: “A corrosão da democracia começou com o impeachment”

Entrevista a Olímpio Cruz Neto - Cinco anos depois de ser afastada da Presidência da República por um impeachment sem crime de responsabilidade, a economista Dilma Rousseff tem uma visão clara do processo que culminou com sua queda, levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à prisão e a ascensão do extremista Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto.

De sua casa em Porto Alegre, onde permanece desde o início da pandemia — saiu apenas duas vezes para uma viagem a São Paulo e outra ao México — a ex-presidenta permanece atenta e acompanha com interesse os desdobramentos da crise política que o país atravessa há meia década. Ela diz que o quadro é de deterioração geral: econômica, social e institucional. 

Para ela, o drama que o país vive hoje é fruto direto do Golpe de 2016, um processo de corrosão democrática inaugurado em 31 de agosto daquele ano, quando o Senado aprovou o seu afastamento. “O golpe permitiu dois crimes imediatos contra o país: o teto dos gastos — que tirou o povo do orçamento, afetando os programas sociais e os investimentos — e a destruição da Amazônia”, lamenta.

“O golpe não foi brando. Não foi nada brando. E, lembre-se, o golpe vem em etapas. É um processo”, aponta. “O Golpe de 2016 é o ato zero do golpe, é o ato inaugural, mas o processo continua. É o pecado original dessa crise que o país atravessa. É a partir dali que se desenrola todo o processo golpista”.

Nesta entrevista à Focus Brasil, Dilma trata da conjuntura e especula que a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022 será o primeiro passo para a reconstrução do país, mas o que o Brasil terá pela frente não será fácil. “Vai haver muita dificuldade. Na área ambiental, por exemplo, alguns efeitos da política de devastação promovida podem ser permanentes. Não sei… O que houve de deterioração, por exemplo, quanto às reservas indígenas, é preocupante. Eu estou preocupada”, diz. A seguir, leia os principais trechos da entrevista:

Focus Brasil — Passados cinco anos do impeachment fraudulento, há espaço para um novo golpe?

Dilma Rousseff — É preciso entender o jogo. O golpe ocorreu em 31 de agosto de 2016. O que estamos vivendo agora é a possibilidade de um novo golpe baseado nas formas derivadas da guerra híbrida. Lá atrás, houve um golpe parlamentar, judiciário e midiático. Mas, sobretudo, um golpe do setor financeiro, do capitalismo financeirizado. Um golpe neoliberal. Não houve uma intervenção clássica militar, mas uma manipulação das regras legais. Apesar de aparentemente eles respeitarem os procedimentos, desrespeitaram as leis, criando crimes onde não existiam. Ali aconteceu uma ruptura violenta contra o status quo da democracia. 

— Por quê?

— Porque vai ensejar todas as medidas que vão levar a volta da pobreza no Brasil e a volta do desemprego. Ali, permitiu-se tomar as medidas que comprometeram a soberania nacional, seja a venda de estatais ou o esquartejamento da Petrobrás, ou aquele absurdo da Eletrobrás, que é um escândalo! Fizeram uma feira da Eletrobrás, como se fosse passível de colocar numa quermesse do interior…